Política linguística do modelo bilingue em Moçambique e suas implicações: uma reflexão sobre o modelo de separação de línguas

Política linguística do modelo bilingue em Moçambique e suas implicações: uma reflexão sobre o modelo de separação de línguas

        **Silvestre Sebastião Cumbane** 
  1. Introdução
    As políticas linguísticas na educação em Moçambique nem sempre criaram um contexto favorável para as línguas bantu (LB), apesar destas serem línguas maternas (L1) para a maioria da população. Desde o período colonial até recentemente, o Português, declarado língua oficial no Moçambique independente, ocupou o estatuto superior em relação às LBs e era a única língua de instrução. Segundo Chimbutane (2015 e 2011), as discussões sobre o uso das línguas locais no ensino iniciaram nos anos 80, em que os defensores da inclusão das LBs no sistema nacional de ensino viam o uso exclusivo do Português como uma barreira para a maioria das crianças moçambicanas, mas só foi em 2003 que o cenário mudou, com a introdução do ensino bilingue, que visa o uso das LBs como meio instrução nas classes iniciais.
    A introdução da educação bilingue em Moçambique é resultado do sucesso obtido pelo PEBIMO (Projecto de Escolarização Bilingue em Moçambique) no período de 1993-1997 (Benson, 2000:147) e outros debates sobre o papel das LBs no ensino. Embora as LBs tenham sido introduzidas no sistema de ensino, elas estão ao serviço do Português, isto é, o modelo adoptado e a respectiva política linguística – política de separação de línguas – preservam o estatuto superior do Português, o que, até certo ponto, põem em causa o desempenho dos alunos da modalidade bilingue, bem como a implementação do próprio programa bilingue por parte de alguns professores. Portanto, é a partir do desempenho negativo de alguns alunos de bilingue e as práticas de implementação de alguns professores que trazemos esta reflexão. Neste trabalho refletimos sobre a política linguística adoptada no novo curriculum em Moçambique e, de forma geral, buscamos respostas para a seguinte pergunta: Que implicações a política de separação de línguas tem no âmbito da implementação do programa bilingue? Em termos específicos, o trabalho tem como objectivo mostrar até que ponto essa política tem implicações negativas (i) no desempenho dos alunos, concretamente no 2º e 3º ciclos e (ii) no próprio curriculum. Importa referir que esta reflexão é baseada nos trabalhos de Terra (2018) e Benson (2000), e inclui alguns dados primários obtidos na Escola Primária Completa de Mudada, no Distrito de Matutuine, através de entrevistas aos professores dos 2º e 3º ciclos. Estruturalmente, o trabalho está organizado da seguinte a forma: 1. Introdução; 2. Educação bilingue em Moçambique e respectiva política linguística. Neste ponto, fazemos uma breve descrição do programa bilingue, da sua política linguística e discutimos o sistema de avaliação, apresentando a implicação da política linguística. Por fim, no ponto 3 apresentamos as considerações finais.

  2. Educação Bilingue em Moçambique e a respectiva política linguística Como nos referimos, o sucesso da experiência do PEBIMO deu um passo importante para a introdução das LBs no ensino. Para além deste projecto, Chimbutane (2011) aponta também para a Conferência Internacional sobre o Uso das Línguas Africanas na Educação e o Papel das Línguas de Comunicação mais Amplas, organizada pelo INDE em 1997, onde uma das recomendações dadas foi a «introdução imediata das línguas africanas como meio de instrução no ensino», (Chimbutane, 2011:50). Assim, em 2003, em paralelo com o programa monolingue do Português, o Ministério de Educação introduziu o programa bilingue – um modelo transicional precoce que visa o uso do Português e das línguas locais – no ensino primário, caracterizado, teoricamente, da seguinte forma: Na 1a fase, as Línguas Moçambicanas são meio de ensino e disciplina de estudo da própria língua (1o ciclo). Na 2a fase (2o ciclo), as Línguas Moçambicanas são meio de ensino de algumas disciplinas e continuam a ser disciplinas de estudo das próprias línguas. Na 3a fase (3o ciclo), as Línguas Moçambicanas são apenas disciplinas de estudo e a Língua Portuguesa meio de ensino e disciplina de estudo da própria língua..(INDE, 2003:37) «sublinhado nosso». em outras palavras, no programa bilingue, da 1ª a 3ª classe a instrução decorre numa língua bantu, enquanto se desenvolve a habilidade oral no Português – nos primeiros dois anos (1ª e 2ª classes) e na 3ª classe inicia a escrita. a partir da 4ª classe a instrução decorre em Português e a língua bantu é dada como disciplinaaté 7ª classe. Como se pode ler no trecho acima, o programa prevê, de forma vaga, o uso da língua bantu como meio de instrução em «algumas disciplinas». Na prática, depois da transição, a língua bantu apenas é meio de intrução da disciplina da Língua Materna (L1). Importa salientar que, dependendo das crenças e atitudes do professor perante a língua, como mostra Chimbutane (2013), a L1 pode ser usada com maior ou menor frequência nas aulas ministradas em Português ou, em casos piores, como mostra Terra (2018), a transição para o Português pode ser feita muito antes do que o programa prevê. Relativamente às avaliações, no final do 2º e do 3º ciclo está previsto um exame que visa, de forma geral, obter: (...) uma imagem o mais fiável possível do desempenho do aluno em termos das competências básicas descritas nos currícula e, por outro, o de servir como mecanismo de retroalimentação no processo de ensino aprendizagem.(INDE, 2003:47) Uma vez feita a transição um ano antes – para o caso da 5ª classe – ou três anos antes – para a 7ª classe –, o exame é feito apenas no programa monolingue do Português. Para a 5ª classe, por exemplo, o exame não considera os 3 anos do desenvolvimento da proficiência acadêmica (a linguagem acadêmica, a capacidade de interpretação da linguagem, etc.) na língua materna, o que nos parece resultar no fraco proveitamento pedagógico para alguns alunos. Tal preocupação é apresentada por professores que, conhecendo o aproveitamento dos seus alunos quando avaliados no programa bilingue, consideram a política injusta. É o caso do professor de Xirhonga no 3º ciclo na EPC de Mudada – que diz que: (...) preocupam os níveis de rendimento na 5ª e 7ª classes. Os resultados dos exames não tem sido satisfatórios...estas crianças de modalidade bilingue tem sua aprendizagem considerando a modalidade, e que nos testes vão em pé de igualidade com as crianças da modalidade monolingue. Isto é uma dificuldade. Então, se calhar, se estivessemos a considerar esta questão dos finais de cada período para as avaliações, se calhar teríamos resultados positivos...a criança da 5ª classe é..ela é avaliada basicamente no monolingue. A modalidade bilingue tem lá que faz até a PT, mas quando chegamos ao exame ela já não se notabiliza...não é notável esta modalidade. Benson (2000:159), fazendo uma comparação entre os resultados dos testes de Português e de outras disciplinas, na 4ª e 5ª classes, nos dois programas, nota uma vantagem para os alunos do programa monolingue (SNE) do que os do PEBIMO, embora se reduza nas classes subsequentes.
    Como mostram os casos acima apresentados, avaliar uma criança que vem da modalidade bilingue, tendo em conta a modalidade monolingue, prejudica o seu desempenho pedagógico. Uma alternativa que nos parece ser a mais justa é apresentada por professor Alúzio e partilhada por Benson (2000) e Terra (2018) que defende a inclusão da modalidade bilingue nos exames, avaliando o aluno na língua que melhor domina. Para além do desempenho pedagógico dos alunos, a política de separação de línguas tem implicações negativas no próprio programa bilingue que, por sua vez, são justificadas através dos maus resultados nos exames da 5ª e 7ª classes. Terra (2000), no seu trabalho sobre política educacional, crenças de professores e práticas implementadas no ensino bilingue em Moçambique, apresenta como uma das conclusões, o facto de alguns os professores, embora reconheçam o potencial da língua materna na educação, optarem por fazer a transição para o Português muito antes do que previsto, como forma de dar aos alunos mais tempo de preparação para os exames. Mais do simples transição, Terra (2018) apresenta o caso da professora Daniela que admite «ignorar outras disciplinas e focar-se apenas no ensino do Português»
    Outros professores, embora não violem o curriculum fazendo transição antes do tempo previsto, mostram preferências em se introduzir a escrita e leitura do Português logo na 1ª ou 2ª classe, como forma de garantir que o aluno chegue à 5ª e 7ª classes com a competência linguística do Português desenvolvida. É o exemplo do professor da 4ª classe, também da mesma escola, que afirma que: Essa mudança já já recai mui...quer dizer, a criança começa a sentir dificuldade(...) veja lá, só a criança da 1ª não aprende a escrever em Português. 2ª não aprende a escrever em português. Na 3ª classe só há de começar a escrever uma disciplina que é Português só. Só na 4ª que já começa a...tá a ver que há problemas? Eu não sei, mas da minha maneira de ver, deviam, pelo menos a 1ª classe, sim. Haver um tempo da oralidade. Não escrita. Já 2ª classe começar já a introdução a escrita. Então, a criança começa a transitar para 2º ciclo, que é 3ª classe já a saber alguma coisa. E vai apanhar uma turma da 7ª classe, não sabe interpretar o texto. Mas em Ronga, haaa sabe. Como podemos ver, professor Dzimba concorda que na 1ª classe as crianças aprendam a falar apenas o Português, mas acha que na 2ª classe devia introduzir-se a escrita para que, até a fase da transição, as crianças saibam escrever em Português para que, até aos exames, saibam interpretar os textos. Este argumento, em muitos casos, não tem a ver, necessariamente, com os maus resultados apresentados por alguns alunos nos exames, mas sim, com as crenças e atitudes que esses professores têm em relação ao uso das línguas bantu na educação. Terra (2018) afirma que alguns professores fazem a transição muito rápida ou preferem a introdução da escrita do Português em classes mais iniciais (até mesmo no início) como forma de «querer livrar-se da L1 o mais rápido possível».

  3. Considerações finais Este trabalho visava encontrar repostas para a seguinte pergunta: Que implicações a política de separação de línguas tem no âmbito da implementação do programa bilingue?
    Mostramos que, devido à política de separação de línguas, os exames da 5ª e 7ª classes não favorecem os alunos da modalidade bilingue, pois são elaborados tendo em conta a modalidade monolingue do Português. Uma alternativa apresentada por alguns professores e investigadores e com nos identificamos tem a ver com a inclusão da modalidade bilingue nos critérios da avaliação. Neste caso, segundo a proficiência linguística do aluno, deviam dar-lhe a oportunidade de escolher a língua na qual se acha melhor capacitado para ser avaliado. Mostramos também que, para além do desempenho escolar do aluno, a política de separação de línguas tem implicações negativas na implementação do próprio programa, onde, em nome dos maus resultados nos exames, alguns professores aptam em fazer a transição da L1 para o Português muito antes do que o programa prevê. Salientamos também que, embora sigam o programa, alguns professores preferem que a escrita do Português seja introduzida nas classes iniciais, como forma de preparar os alunos para que, até as classes com exames, sejam proficientes em Português.

Referências bibliográficas

Benson, C. J. (2000). The Primary Bilingual Education Experiment in Mozambique, 1993 to 1997. International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, 3 (3): 149-166

Chimbutane, F. (2015). Línguas e Educação em Moçambique: Uma Perspectiva Sócio-Histórica. In Gonçalves, P. &Chimbutane, F. (orgs). Multilinguismo e Multiculturalismo em Moçambique: Em direcção a uma coerência entre discurso e prática, p.p. 35-75. Maputo. Alcance Editores

Chimbutane, F. (2013). Codeswitching in L1 and L2 Learning Contexts: insights from a study of teacher beliefs and practices in Mozambique bilingual education programmes. Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Mozambique. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080709500782.2013.788022

Chimbutane, F. (2011). Rethinking Bilingual Education in Postcolonial Contexts. Bilingual Education & Bilingualism: 81

INDE/MINED (2003). Plano Curricular do Ensino Básico. INDE/MINED- Moçambique

Terra, S. E. L. (2018). Bilingual Education in Mozambique: a casestudy on educational policy, teacher beliefs, and implemented practice. International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, DOI: 10.1080/13670050.2018.1441803. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13670050.2018.1441803

Posted on Jan 29, 2022

scamscamscamscamscamscamscamscamscamscamscamscamscamscam